Dona Lúcia

(qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência)

Ontem fui ao supermercado como me é habitual fazer. Precisava de ovos, maçãs, arroz... bem, não interessa. Estava eu então a passar por perto dos sumos (para chegar às ditas maçãs), quando uma senhora (com alguma idade) mostra dificuldades em retirar da prateleira um daqueles novos sumos que diz algo como Compal Família.
A Dona Lúcia tem mais de 60 anos. Veste preto, sempre preto. O marido morrera há mais de 20 anos e a filha não vem a Portugal desde essa altura. Sabe-se na vila que tem netos. Três netos. Netos que a avó Lúcia nunca viu. 
Não frequenta a igreja regularmente, embora a encontre por lá no Domingo de Ramos ou na Missa do Galo. Não frequenta o cemitério regularmente, a campa do marido está suja e descuidada. Tem saudades dele. 
Após a sua partida, a Dona Lúcia ficou sozinha. Já não há churrascos lá por casa, já não há "jantaradas" nem carros estacionados pela rua inteira. Tinha muitos amigos o Senhor Júlio. Amigos da Dona Lúcia também. Mas nunca mais voltaram. 
O funeral do Senhor Júlio foi dos maiores que esta vila já viu. Vieram amigos dos quatro cantos do país. A Dona Lúcia chorou um pouquinho em cada ombro e, no final, despediu-se de cada um deles como se não os fosse voltar a ver (e não voltou). 
Diz-se pela vila que os amigos do Senhor Júlio ligavam regularmente (desistiram após 10 anos de telefonemas sem resposta). Alguns voltaram à vila, temeram a morte da Dona Lúcia.

Mas a Dona Lúcia não morreu. Vem todos os dias ao supermercado e está agora na minha frente. À luta com um Compal Família. 
Ajudei-a e ouvi pela primeira vez a sua voz. "Obrigada" disse-me com os olhos tristes. 
Saímos e fomos juntas beber aquele Compal Família que a Dona Lúcia sempre comprava na esperança de um dia poderem entrar pela porta os netos que ela não conhecia. 
Fiquei sem ovos, maçãs ou arroz. Mas após uns goles de Compal Família ganhei uma amiga e salvei a Avó Lúcia.

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