Observações

(qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência)

O dia estava sorridente. E eu também. O sol brilhava e o calor começava a apertar, tal como era esperado nos primeiros dias de junho. Já todos ansiavamos pela sua chegada. Não propriamente por estar quente e suarmos mais, mas pelas roupas a mostrar um bocadinho de pele, pela praia, o mar, e o descanso. O merecido descanso! 
Ao fim de longos 9 meses dediquei-me a observar todos aqueles que me rodeavam. Era uma daquelas longas aulas em que a professora refere informações que já todos conhecemos e às quais eu não consigo prestar mínima atenção. Posto isto, tive de inventar algo para fazer com que aquelas duas horas passassem mais rapidamente. E foi aí que me dediquei à observação.

20 alunos estavam dentro daquela sala. Observei todos. Observei cada um. Através de uma ordem aleatória e completamente desinteressada fiz descobertas impossíveis sobre as pessoas que passaram mais tempo comigo nos últimos meses.

Observei-as a elas. São de facto parecidas. No aspeto, na forma de estar, falar e encarar. Costumo vê-las como alguém que não tem grandes preocupações na vida. Vivem um dia de cada vez, são elas mesmas e sentem-se, dessa forma, amadas por todos. No entanto, neste dia em que me dediquei a vê-las (e não apenas a olhá-las) percebi que elas não são assim. Pareceram-me tristes neste dia. Talvez algo as preocupasse... Pareceram-me inseguras, mas determinadas. Talvez apaixonadas, talvez alheadas. Sobretudo perdidas. Procuram o seu rumo sem saber como o fazer. Olham em redor e vão. Vão com a maré.

Ele está preocupado, como sempre. E aquele outro também está. Têm mais em comum do que julgavam, mas agora sabem. Preocupam-se (talvez em demasia, mas quem não o faz?). Sonham alto. Ou acham que sonham. Estão perdidos. Acham que querem. Pensam que sabem.

Ela é a pessoa que eu mais gostava de conseguir decifrar. Ela deixa-me na dúvida. Estive tanto tempo a observá-la. Entre o preto e o branco, o ying e o yang, a luz e a sombra, entre a calma e o furacão, entre a menina e o mulherão. Nunca vou conseguir saber tudo sobre ela. Parece-me tão diferente das outras. Mas tão igual... Encontrá-la! Decifrá-la! Sabê-la! Estás perdida? Sabes quem és? Sabes o que queres? O que procuras? Quero saber-te!

Foi então que, perdida nas minhas observações, naquelas informações inacreditáveis que os meus olhos pareciam ter ignorado durante meses; que os vi. Eles. Ele e Ela.
Ele é lindo, eu juro. Tem um ar misterioso. Traços de bad boy, coração de pomba.
Ela também é atraente, mas poucos notam. É discreta, mas sonhadora.
Vejo as suas trocas de olhares. Vejo o desejo no olhar dela, a ambição no olhar dele. Ambos se querem, mas não dizem. Ela está assustada. Ele não sei (não me deixa vê-lo).

Ela está a rir. Ele está a sonhar. Aquele outro está (quase) a dormir. Eles riem. Elas cantam. Eles comemoram. Ela chora. Chora? Sim, voltei a olhar e as suas lágrimas eram evidentes. Disfarcei, redirecionei o olhar. Mas alguns minutos depois tornei a observá-la e ainda chorava. Sei que nada tinha a ver com a aborrecida aula que punha o nosso tédio à prova. Infeliz vida. Infeliz pensamento. Ela devia observar mais.
Porque no fundo... estamos todos perdidos.

E, de repente, lá estava eu. Tinha observado 20 pessoas. A aula estava a terminar. Agora que as conhecia, estava prestes a dizer-lhes adeus. Alguma vez voltaria a vê-las? Algumas sim, certamente. Ainda havia muito a descobrir, muito a observar. Ainda havia a miúda cinzenta, e o bad boy. Ainda havia as incertezas. e certamente haveria as saudades.

E hoje aqui estou, anos depois. Nunca mais os voltei a ver. Não sei se Elas se encontraram, se Eles continuam preocupados, se Ela já escolheu entre o preto ou o branco, se Ela assentou o bad boy ou se Ela ainda chora. 
Mas há algo que guardo de todos eles, há algo que me acompanhou até hoje: o poder da observação. Se observarmos bem (verdadeiramente bem) a essência de todos nós é a mesma. Não nos percamos com pormenores (desnecessários).

Desenho: Joana Fernandes (obrigada!)

You May Also Like

0 comentários