O teatro veio até mim

Esta noite fui ao teatro. Não saí de casa. De pijama no meu sofá recostada nas almofadas, sentei-me na primeira fila. Não havia cabeças na minha frente. Não havia ruídos à minha volta. Se os atores falavam baixo, o volume estava mesmo na minha mão. O meu olhar estava centrado. E quando entrou Ruy de Carvalho ou Manuela Maria aplaudi. Aplaudi alto! Ri, chorei, lancei aquele "oh!" de espanto. É teatro! E é isto que o teatro nos faz sentir. 

Tinha. Aliás, tenho. Saudades do teatro. Hoje foi bom sentir-lhe o gosto. A doçura nos gestos, a amargura nas palavras. A seriedade de quem quer fazer os outros sentir. E consegue. O teatro entra-nos pelo peito com uma vontade de dizer "eu estou aqui" e persiste em não nos deixar indiferentes. Persiste em mudar-nos, virar-nos de pernas para o ar, questionar tudo o que sabemos e sentimos. O teatro junta o coração e a razão num momento de desconforto, de dor e de angústia. Por momentos, duvidamos de todas as nossas crenças. E quando cai o pano, sabemos que nos temos um pouco mais completos. E mais ricos!


As Árvores Morrem de Pé chegou à televisão portuguesa em Dia Mundial do Teatro, em tempos de medo e incerteza. E o teatro ficou um pouquinho mais perto. A angústia da dúvida existencial ficou um pouquinho mais perto. A perspetiva da vida mudou diversas vezes, desta vez no sofá.

As Árvores Morrem de Pé fala de arte e de sentimento. Toda a história é uma sucessão de provas de amor. À arte, às pessoas, aos gestos que nos fazem sorrir. A minha noite foi Filosofia, foi cultura, foi poesia, foi emoção, foi prazer! Puro prazer! Porque é este o verdadeiro teatro! É este o teatro que amo! Aquele que nos faz duvidar de todas as nossas crenças enquanto sorrimos. Aquele que nos angustia enquanto nos deliciamos. Aquele que nos provoca enquanto queremos mais.

Não estive no Politeama. Se preferia? Sem dúvida! Substituir o pijama por um vestido, o sofá por uma cadeira, o silêncio pelo burburinho impaciente dos espectadores. O cheiro da minha cozinha pelo aroma a história, a arte e ligeiramente a mofo. Trocaria a minha casa pelo Politeama.

Mas esta noite, o teatro teve um gosto diferente. O teatro foi ainda mais intenso. O teatro veio até mim. Não pediu para entrar. Invadiu a minha casa, o meu peito, a minha mente. O teatro entrou como quem é convidado não pelo gosto da companhia, mas pelo "parecer bem". O teatro entrou. E isso é que importa. Não o convidei a entrar. Não me senti confortável por ter invadido o meu espaço, o meu pensamento. Mas estou grata que o tenha feito. Vou dormir mais rica, com o coração apertado. Abandono o sofá culturalmente certa e existencialmente na dúvida. Isto é teatro! E em casa, não perde a magia! 

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